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sábado, 14 de março de 2009

Ser ou Aparecer?

A história de Jade Goody, uma ex-big brother inglesa que fez da sua luta contra o câncer um outro reality show, me fez pensar se deve haver algum limite ético para este tipo de exposição. Onde quer que vá ela é seguida pelas câmeras de TV e na medida em que a sua degradação física aumenta, também aumenta os cachês cobrados por ela, sob a justificativa de que precisa deixar algum patrimônio aos filhos.

Não sei se é algo novo ou apenas potencializado pelas novas tecnologias, mas o fato é que queremos acompanhar a vida dos outros ao mesmo tempo em que também queremos ser protagonistas. Numa sociedade marcada pela imagem quem não "aparece" não existe, por isso reality shows como o Big Brother e programas onde pessoas comuns discutem seus problemas pessoais e familiares em público façam tanto sucesso. Sem contar os blogs _ como este, o Twitter e as redes sociais como o Orkut, onde compartilhamos nossa vida com conhecidos e estranhos. Além da TV e da internet, os bares, clubes, escolas e o trabalho são palcos para esse protagonismo, onde a vida é encenada para os outros.

Havia especulações de que Jade teria vendido os direitos de transmissão da sua própria morte, o que foi desmentido por ela, e embora muita gente se diga constrangida, sua imagem continua vendendo, apesar das críticas.

10 comentários:

Hugo Albuquerque disse...

Eduardo,

A pós-modernidade é a neurose elevada à potência. Vivemos uma vida insana e ao mesmo tempo não temos força para nos livrarmos dela, como se quisessemos gritar e nossa voz não saísse - e, nesse sentido, a blogosfera tem sido uma maravilhosa máquina de fazer catarse nesses últimos anos.

Enfim, por mais que as pessoas se iludam com esse (não tão) admirável mundo novo, o fato é ainda nos vemos às voltas com o mundo das aparências e não conseguimos ser verdadeiramente - buscamos, no máximo, significar externamente, mas não conseguimos significar para quem mais nos importa: Nós mesmos.

Na filosofia pós-medieval temos a susbstituição da busca pela verdade pela questão do Poder. Hoje, somos anões éticos e, ao mesmo tempo, gigantes tecnológicos - devido a isso, desenvolvemos uma tecnologia bélica tão fabulosa que podemos destruir o mundo mesmo que ainda não tenhamos descoberto a cura para o câncer e coisas do tipo.

Substituimos os dogmas religiosos medievais por uma dogmática cientificista e inumana. Hoje, não vivemos uma democracia ou uma aristocracia, mas um governo de Coisas que nos guiam e põem a nossa existência em função delas. Cuspimos nos clássicos, mas o que produzimos há muito só nos coloca mais e mais próximos da nossa própria obliteração e da não-significação.

Anônimo disse...

"Hoje, não vivemos uma democracia ou uma aristocracia, mas um governo de Coisas que nos guiam e põem a nossa existência em função delas.
Concordo totalmente com você. Seu comentário foi direto ao ponto e eu não tenho muito mais acrescentar a ele. Vivemos em função de uma sociedade consumista onde o ter importa mais que o ser. Será que realmente sabemos quem somos?

Hugo Albuquerque disse...

Não sabemos, ninguém sabe. Até o século 20º ainda havia aquela coisa da identidade - nessa época com a ideologia, "direita", "esquerda", ser fascista, ser comunista. Hoje, perdemos isso. O que somos? A Idade Média nos roubou o corpo, o misticismo pagão e, sobretudo, a liberdade. O Iluminismo que surgia para subverter isso daí, nos devolveu apenas um simulacro do que nos foi roubado, nos submeteu à dogmática cientifistóide e nos roubou a alma, a espiritualidade, nossa essência e nossos princípios. Foi-se nossa harmonia interior e nem podemos dizemos dizer que isso é porque estamos em conflito, ao contrário; o que há é um largo e profundo vazio que nos move para o abismo; precisamos significar, existir, chamar a atenção para que alguém se dê conta do que somos e nos conte para, finalmente, nos livrarmos dessa maldição.

Roberto l.Silva disse...

Bom isso não é novidade praticamente as vezes muitas pesoas deixam suas vidas aberta par um publico ,como também o caso de uma participante do big brother Brasil que está passando por examesm para saber se esta´gravida,praticamente nos dias de hoje isso ja é normal de mostrarmos um pouco das nossas vidas em sites de relacionamento ,blog .etc..,pois nessa sociedade como disse o Hugo no primeiro comentario ter importa mais do que o ser
!

Eduardo disse...

Hugo,

Fico muito grato pela sua participação! Seus comentários foram muito mais longe na análise desse tema do que eu mesmo previa com este post. Aliás, seus comentários valeriam uma publicação. Perfeito!

É meu caro, nossa civilização parece ter chegado a um nível de individualismo extremo.

Essa necessidade toda de se destacar, ser visto, comentado, imitado, e ao mesmo tempo acompanhar a vida do outro _ quem sabe tentando encontrar nele algo que nos faça compreender a nós mesmos _ tem muito de competição, mas também tem muito de fuga, de incerteza de dúvida. Estamos perdidos, talvez seja isso!
Queremos nos encontrar, ou que pelo menos alguém nos encontre e dê sentido a nossa existência sem sentido.

Chegamos à "sociedade do espetáculo" onde todos querem ser as estrelas.

Roberto,

Tem isso também. Muito gente se expõe demais nesses sites e pode ter grandes dores de cabeça no futuro por causa disso.

Anônimo disse...

O caso dessa inglesa é bastante polêmico. Tudo bem que ela queira se expor na mídia para ganhar algum dinheiro para os filhos, mas a curiosidade dos ingleses pela sua sua contra a doença é um pouco mórbida.

Também fico em dúvida se isso é novo ou é uma característica humana reforçada pela tecnologia. Eu tinha um Orkut e apaguei depois de receber algumas visitas indesejadas. Muita gente que eu conheço já cancelou o Orkut. É legal, eu até penso em fazer outro Orkut, mas eu acho muito perigoso essa curiosidade das pessoas pelo perfil dos outros.

Anônimo disse...

Maria,

No post, o que eu questionava é se há _ou deveria haver _ algum limite ético para a exploração da própria imagem. No caso de Jade Goody ela não prejudica ninguém ao se expor por dinheiro. Pode até chocar algumas pessoas por dividir com o públicos detalhes do seu sofrimento, mas quem não quer acompanhar a sua vida (ou o fim dela) não é obrigado a fazê-lo. O fato é que ela ganhou popularidade e parece ser uma pessoa bastante carismática, o que tem ajudado na divulgação de campanhas pela prevenção do câncer. Para a sociedade é um ganho importante.

Quanto à exploração da privacidade alheia não há o que questionar. Todos nós temos o direito à preservação da nossa intimidade, salvo no caso de pessoas públicas (políticos, celebridades, etc...) e pessoas investigadas pela justiça, e mesmo assim existem limites que devem ser respeitados.
O problema com o Orkut é que muita gente disponibiliza dados que não gostariam que fossem vistos por estranhos. O que eu não quero que ninguém saiba eu não disponibilizo na minha página. Fotos, dados pessoais e endereços que eu não quero compartilhar com estranhos não estão lá. Até hoje eu nunca tive problema.

Na verdade eu não vejo problema no bom uso de blogs e redes sociais como o Orkut, e por bom uso eu entendo ter a consciência de que o que está na internet está fora do meu controle. Sabendo disso, e aproveitando bem o que estas ferramentas oferecem, acredito que só temos a ganhar com elas.

Anônimo disse...

Não discuto que a exposição de uma doença pode ter o resultado benéfico de ajudar em campanhas contra o câncer, aliás, muito bem lembrado.

Mas não podemos deixar de notar o desconforto causado, daoa a forma da exposição. Não será possível que a exploração das imagens da morte carreguem consigo uma certa justificação eticamente simplista(por parte do público que as vê) da liberação de instintos de crueldade? De, como diz Sontag, em The Imagination of Disaster, "aesthetic enjoyment of suffering"? Isto está presente em eventos esportivos, como na fórmula 1, onde o desastre vira espetáculo. Creio que esta é uma das peças deste quebra-cabêça.

Gostaria de sugerir o que acredito ser outra peça: a retirada, na idade moderna, de vários elementos que fizeram parte da vida comum até a idade média, para espaços reclusos e fora dos olhares. (isto está em Foucault, talvez Vigiar e Punir) Vários elementos que faziam parte da vida comum, entre eles, a loucura, a doença e a morte, a educação das crianças, foram retirados do convívio diário pela criação de instituições: sanatórios, hospitais, escolas.

Há um texto muito bom de Gilles Aillaud, chamado Why Look at Animals, em que ele analisa (de forma brilhante) o que se perdeu na nossa cultura com o lento processo de retirada dos animais do convívio humano, que levou à criação de zoológicos, e ao surgimento de uma nova forma de relação com animais por meio da fotografia, filmes de vida selvagem e o surgimento da relação entre animal de estimação e dono.

Seguindo um pouco as linhas de racicínio de Aillaud, eu creio que uma peça do quebra-cabeça a ser desvendado é essa relação que temos com a morte - uma relação longínqua, abstrata - e a sua exploração por meio da imagem, que, paradoxalmente a aproxima de nós de uma forma bem específica - como espetáculo.

Anônimo disse...

Flávia,

Essa deve ser uma das peças chaves da atração que sentimos pelo mórbido. Basta lembrar os filmes de terror, que fazem tanto sucesso, apesar de provocar medo e mal estar.

Seu comentário me lembrou de um livro do Levis-Strauss que eu li dentro de uma dessas mega livrarias de S.Paulo. Trata-se de “o Suplício do Papai Noel", que já rendeu um post aqui no blog, no mês de Dezembro. Nele Levi-Strauss diz que o bom velhinho seria a representação da morte. O que tem a ver com essa "retirada" dos mitos medievais que explicavam os ciclos da vida e da natureza para o homem daquela época.

Como os presentes chegam até as crianças pelas mãos dele, o culto a sua imagem funcionária como um acordo com a morte para prolongar o tempo de vida. Os presentes associados a ele funcionariam como oferendas, sacrifícios. Bom, mas isso não tem muito a ver com o post...

Obrigado pelo comentário!

Anônimo disse...

Vou dar uma checada no post. E o livro de Levi-Strauss... vai entrar na minha lista. Valeu a dica :)

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