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segunda-feira, 21 de junho de 2010

Saramago: “um personagem maior do que qualquer um que ele tenha criado”

Por Hugo Albuquerque

Pois é, Edu, eu também escrevi algo a respeito da morte de Saramago e me sinto igualmente triste. Não o conheci e nunca o vi de perto, mas o mestre de Azinhaga tinha um estilo tão próprio, tão afetuoso, que mais parecia um amigo querido - e foi Saramago um personagem maior do que qualquer um que ele tenha criado.
Diferentemente de boa parte da intelectualidade européia, ele sentiu na pele o que foi ser pobre, seja pela infância miserável nos campos de Azinhaga, a pobreza em Lisboa onde teve de fazer ensino técnico e se manter como operário, a dificuldade para viver da própria arte - coisa que só conseguiu a partir do 18º livro - e a opressão política: Enquanto boa parte da Europa Ocidental, bem ou mal, estava livre do fascismo desde o fim da guerra, Portugal ainda era um Estado Fascista em plenos anos 70 que, não satisfeito em sê-lo, ainda estava a travar uma insensata e absurda guerra colonial em África. Quando o capitão Salgueiro Maia conduziu em marcha suas tropas do Quartel do Carmo até Lisboa, em Abri de 74, irrompendo a Revolução dos Cravos, Saramago já era um senhor de 51 anos de idade - mais de meio século nascido e amadurecido sob a bota de um regime que juntava o que há de pior em Portugal desde seu surgimento, o provincianismo megalomaníaco e um catolicismo supersticioso que a tudo justifica.
Foi-se a Revolução e os traidores do povo se apoderaram do poder, conduzindo Portugal para o que é hoje, uma unidade periférica da Europa, condenada aos humores e rumores do resto do continente, cujo desenvolvimento se assenta sobre um pântano - e aqui falo tanto de Mario Soares e seus socialistas, que nunca passaram de uma ponta de lança do projeto europeu, e de Cavaco Silva, um social-democrata de araque que Saramago bem classificou como "gênio das banalidades". Foi essa falsa democracia - e Marx há de me advertir que a Democracia sempre foi uma grande encenação teatral, uma tragédia entre os antigos e uma farsa para os contemporâneos - que o perseguiu por razão do seu livro mais pungente, O Evangelho Segundo Jesus Cristo.
O século 20º, aos poucos, nos deixa. O que resta não é bom. Não desprezemos as lições do nosso querido amigo que foi-se, caso quisermos ainda sobreviver.
um abraço
Hugo Albuquerque escreve n’O Descurvo

2 comentários:

Eduardo Prado disse...

A honra é minha, Hugo!

Taí um texto que só você mesmo poderia ter escrito. Obrigado!

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