O Dia Em Que São Paulo Parou
“Mas eis que de repente, foi dado um alerta
Ninguém saía de casa e as ruas
ficaram desertas”
Ninguém saía de casa e as ruas
ficaram desertas”
Trecho de Cinca Chambord do Camisa de Vênus
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Há três anos, uma onda de atentados a ônibus, bancos e postos policiais parou a cidade de São Paulo. Era 15 de Maio de 2006, uma Segunda-feira, dia útil.
Como fazia toda manhã, neste dia também acordei cedo e fui trabalhar. Nas ruas quase nenhum carro, nas calçadas, ninguém. A loja abriu normalmente às 8 horas da manhã, a padaria e o bar ao lado já estavam abertos, mas não havia clientes. Às nove abriram os mercados e outras lojas, mas o transporte coletivo não estava circulando. Ás 10 horas alguns passantes vieram avisar que o comércio estava fechando. Ninguém mandou fechar, mas havia muitos boatos e a polícia desapareceu. Meu gerente tentou ligar para o 190 para saber se seria seguro manter a loja aberta. Em vão. Na linha só o sinal de ocupado.
Perto do Meio-dia mais lojas haviam fechado. Sem polícia, a quem recorrer se algo pior acontecer? Antes da 1h da tarde a loja fechou. Todas fecharam.
Em casa, diante da TV, era difícil acreditar no que estava acontecendo. A metrópole de 20 milhões de habitantes estava de joelhos. Nada funcionava, nem as delegacias. O governador Claudio Lembo e o comando das polícias civil e militar davam informações confusas e desencontradas, mas insistiam que tudo estava sobre controle. Sobre controle? Geraldo Alckmin, licenciado do cargo para disputar as eleições presidenciais, sumiu. Onde estava? Ninguém sabe, ninguém viu.
Se a polícia desapareceu das ruas, nas periferias homens encapuzados, fortemente armados, semeavam a morte em vilas e vielas abandonadas por Deus e pelo Estado. Quando o dia amanheceu o saldo de mortos já estava na casa das dezenas, alguns falavam em centenas, todas de supostos integrantes do PCC. Nunca saberemos quantos foram.
A Terça-feira ensaiou ser um dia normal, apesar da tensão, e ninguém falava de outra coisa. Mas as eleições estavam próximas, um certo candidato poderia ser prejudicado. Melhor esquecer o assunto, falar de outra coisa. Quem sabe sobre algum dossiê? E todos esqueceram. Mas de vez em quando alguém se lembra.
14 comentários:
Lembro de um vídeo no YouTube, acho que era sobre esse evento, de uma matéria da TV inglesa. Inclusive entrevistaram Alckmin, que se saiu bastante escorregadio dos questionamentos, abandonando a entrevistadora após a primeira pergunta. (Lembro que a então namorada do meu irmão, depois de ver esse vídeo, desistiu de votar nele e resolver votar em Lula, que ela antes detestava.)
Esse clima apocalíptico deve ser terrível nos deixa em uma grande dúvida a respeito de como evitar que isso ocorra novamente, o que pode ser feito para acabar com a marginalização de uma parcela da sociedade, a corrupção daqueles que deveriam "manter a ordem" e os consequentes conflitos violentos.
É curioso como as pessoas se esquecem dessas coisas tão facilmente não?!
Vivemos num país onde infelizmente as pessoas tem memoria curta. E não se esquecem somente desses atos criminoso violentos , mas também do crimes do "colarinho branco"!
PS: Edu, eu tinha te falado que eu tinha terminado de ler o livro, Operação Valkiria né?
Agora estou lendo um livro sobre a revolução cubana, e assisti o filme Diarios de motocicleta. Estou muito interessado na vido do "CHE"!!
Abraço!!
Eduardo,
Aquilo foi o 11 de Setembro paulista. Aliás, sobre o misterioso "esquecimento" sobre o que aconteceu, diria que se trata de um fenômeno digno de estudos aprofundados tanto da sociologia quanto da psicologia além de explicar muito sobre a conjuntura política da São Paulo pós-ditadura. É um processo interessante, temos um estado construído às custas de uma industrialização anômala e desigualitária que de repente, solapado por uma desindustrialização precoce, se desagrega socialmente e paralisa politicamente
Olá, Thiago,
As vezes tenho a sensação que estamos num beco sem saída. Saídas há, o problema é que a sociedade brasileira insiste em avançar sobre um caminho que já se mostrou inviável a muito tempo. Ou mudamos os rumos das políticas sociais e de segurança pública ou a tendência é será a repetição de eventos como este. Ou o que é pior, um aprofundamento da simbiose entre as forças legais e as ilegais, que já existe, basta ver o casos das milícias no Rio de Janeiro.
Na época dos atentados uma pergunta gerou muita polêmica e nunca foi respondida satisfatóriamente: O Governo Paulista fez ou não fez acordo com a direção do PCC? Tudo indicava que sim, apesar das negativas frouxas do então governador. Que houve negociação houve, não sei em que nível, mas seria temerário que a aparente [impressão de] "paz" que percebemos hoje entre a policia e o PCC seja fruto de um acordo que contemple interesses mútuos.
Guilherme,
Não acredito que o brasileiro tenha memória curta. O problema é que a memória e algo seletivo que pode se construída e desconstruída, pode ser forjada, manipulada ou até mesmo ser descartada. Se a questão da segurança pública saiu da pauta dos grandes jornais e da mídia em geral é porque não interessa no momento a quem detém o poder de determinar o que deve estar em pauta. Não é resultado de um "esquecimento" da população, mas de uma tentativa de puxar a questão para debaixo do tapete.
Quando a lembrança de um acontecimento ou de um fato é importante para nossas elites ele não será esquecido, pelo contrário, será lembrado exaustivamente o tempo todo e a cada vez ganhará novos elementos favoráveis a ideologia que a sua recordação representa.
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Assisti na semana passa ao filme "Che", sobre a sua atuação na Revolução Cubana. Não vou comentar o filme, mas já que está interessado na vida dele seria interessante assistir.
Abraço!
Hugo,
Acho que essa desagregação social é mais fruto da forma como se deu a nossa industrialização que do atual processo de desindustrialização, que eu acho bastante relativo _ a maioria das indústrias deixa a região metropolitana e se instala em cidades próximas ou no interior, apenas uma parte delas deixa o estado. Saem as indústrias e entram hipermercados, shoppings, revendas de carros e de outros bens, entre outras atividades econômicas geralmente ligadas ao setor de serviços. O que eu acho interessante é que, apesar de São Paulo ser o estado mais industrializado do país, são os ruralistas do interior que mais colaboram para manutenção do PSDB no governo do estado e de suas políticas conservadoras.
Quanto a este "esquecimento", acho que é aquilo que eu respondi ao comentário do Guilherme. A violência daqueles dias foi o resultado de políticas públicas de segurança apoiadas por grupos políticos e econômicos também ligados aos meios de comunicação. Para não terem que admitir que essas políticas são equivocadas ou, pior ainda, que precisam ser mudadas _ o que eles não seriam capazes de fazer _ procuram excluir essa lembrança da programação ou do noticiário. neste caso creio que o "esquecimento" foi induzido.
Abração!
Edu,
Sabe que eu mesma já nem lembrava mais do que aconteceu nesses dias? Como pode?
Você tem razão. Tudo aquilo foi muito grave, mas a impressão que dá é a de que nunca aconteceu.
Na segunda-feira a que você se refere no post eu nem fui trabalhar. Fiquei até de madrugada assistindo pela TV a onda de atentados que tomava conta da cidade. Quase nem dormi de tão apavorada!
Hoje ninguém mais fala do assunto. Não discutimos sobre quais foram as causas, quem foram os culpados ou cúmplices, quem foram as vítimas assassinadas na calada da noite por esses homens encapuzados, nem se tudo isso pode acontecer novamente, como disse o Thiago. E quando a gente não discute sobre alguma coisa, além de não encontrar solução, também não encontramos os culpados. Para eles, os culpados, é melhor mesmo que o assunto seja esquecido. E nós esquecemos, né? Como somos bobos!
A nossa memória é manipulada, concordo. Por mais aterrorizante que tenha sido o dia, mais pessoas se lembrarão da menina que supostamente foi defenestrada pelo pai ou pela madrasta do que disso - e a importância relativa desses eventos na nossa vida está invertida na nossa memória.
por isso deixei de assistir TV, deixei de ler jornal, para assessar TVs pela web - TV Carta Maior, Democracy Now, por exemplo - e ler blogs. Pode ser que tenha demorado uns 3 anos pro assunto vir á baila, mas veio, o que é muito diverso do que ocorre com as mídias grandes
Oi Edu tudo bem?
Pois é se passaram 3 anos ,não lembro muito bem Edu,mas foi um verdadeiro caos muitas pessoas não saiam de casa nesse tempo,muitos pessoas faltavam no seu trabalho, mas agora ninguém fala desse assunto mais praticamente nem lembrava mais.
Abraços!
Olá, Flávia!
Desculpe a demora em responder. Desta vez a Culpa foi da Telefônica. Foram quase dois dias com dificuldades de conexão.
Também deixei de assistir TV. Jornal eu ainda leio, de vez em quando, mas minha relação com a imprensa não é a mesma faz um bom tempo.
Oi, Roberto! Há quanto tempo!
Como a Flávia comentou, demorou para o assunto vir a tona novamente, mas veio. Pena que apenas em blos e sites. Na TV e nos grandes jornais a memória desses dias jaz no esquecimento.
Abração!
Olá!
Sou paranaense, e como o dia relatado no post não foi comentado em nenhum meio, afirmo que ninguém, salvo alguns que mantém contato com paulistas teve idéia de que algo dessa magnitude aconteceu.
Estou aqui pra falar que não é a memória do brasileiro que é curta, ao meu ver, o que não se é comentado fica difícil de ser lembrado, como pude ver pelos comentários os próprios moradores tiveram receio em comentar, ocasionando um conformismo geral. E assim as pessoas voltaram para suas vidas, e nós, brasileiros, não sabemos do que realmente ocorre em nosso próprio país. Isso é Braasil!
Até.
Olá, MeMe!
É assim mesmo!
Graças a concentração da imprensa nas mãos de pouquíssimos grupos o Brasil é, para a maioria de nós, um gigante desconhecido. Tenho uma colega que chegou do Pará a quatro anos e diz que em Belém se sabe mais o que acontece em São Paulo que no interior da Amazônia. Quer distorção maior que essa?
Obrigado pelo visita!
Até breve!
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